No fim da semana passada, o sinal de alerta soou no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Um integrante da equipe de segurança do governador João Doria (PSDB) teve resultado positivo para o teste de coronavírus, o que levou o tucano e sua mulher, Bia, a fazerem um segundo exame, que não chegou a ser divulgado. Ao relatar o episódio em uma sala no subsolo do palácio, Doria retirou o resultado negativo de uma pasta e entregou à reportagem com uma provocação. “O seu primo lá de Brasília disse que fez, mas nunca mostrou”, afirmou, em referência ao presidente Jair Bolsonaro.
Esse tem sido o tom nos últimos tempos de Doria, que tirou do topo da lista de eventuais adversários na disputa presidencial de 2022 o ex-presidente Lula e o PT para “promover” Bolsonaro. Mas somente o presidente, e não todo o governo. Ao Estado, Doria fez defesa da permanência do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cujo discurso destoa do adotado por Bolsonaro.
O governador também falou sobre como sua segurança foi reforçada após as ameaças de morte que recebeu na semana passada e que ele atribui ao “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto.
A seguir os principais trechos da entrevista:
Lideranças de esquerda lançaram um manifesto pedindo o afastamento de Bolsonaro. Há quem enxergue nisso uma resposta ao seu protagonismo na oposição.
Não vejo isso. Vi o manifesto. Sinto que cada vez mais crescem as manifestações em relação ao presidente Jair Bolsonaro pelas posições equivocadas e irresponsáveis que ele tem adotado diante de uma crise tão grave como essa. O Brasil está sem um líder na mais grave crise de saúde dos últimos 90 anos, e a mais grave crise econômica também.
Bolsonaro pode unir esquerda e direita contra ele?
Ele está provocando circunstâncias que nunca haviam sido visualizadas do ponto de vista político. Nesse momento, 24 dos 27 governadores estão unidos, independentemente de suas posições partidárias. Não me lembro de ter visto algo assim no Brasil pós-ditadura militar.
Pode surgir uma frente ampla contra Bolsonaro?
Nesse momento há uma frente pelo Brasil, pela defesa dos brasileiros. Isso eu sinto claramente. Ela é composta por governadores, prefeitos, uma parte do Congresso Nacional e uma parte considerável do Judiciário, da imprensa, dos formadores de opinião. Não vejo essa frente nesse momento com nenhuma vocação política, partidária ou ideológica.
O sr. defende o afastamento ou o impeachment do Bolsonaro?
É ao Congresso que cabe fazer essa avaliação e tomar uma decisão. O que eu defendo é o Brasil. Espero que o presidente possa mudar de posição e defender o Brasil, e não agir contra. Bolsonaro hoje não lidera o Brasil. Espero que ele tenha a humildade de reconhecer o seu erro.
O que acha da ideia de isolamento vertical?
É absolutamente inviável. São 7 milhões de pessoas com mais de 60 anos em São Paulo. Como fazer o isolamento vertical de 7 milhões de pessoas, que representam o grupo de maior fragilidade? Não há 7 milhões de leitos, mesmo se reservassem todos os hotéis e pensões.
O ministro Mandetta flexibilizou o discurso por pressão do Bolsonaro e depois reforçou a orientação das autoridades médicas. O que achou disso?
Ele mantém a posição que o isolamento é importante para preservação da vida. Em atenção ao Bolsonaro, ele fez algumas observações. Eu perdoo o ministro Mandetta por algumas dessas posições, embora na essência ele esteja correto em defender medidas restritivas. Pelo menos até aqui.
O que significaria a demissão de Mandetta?
Perder o Mandetta à frente do Ministério da Saúde, com seu bom senso e equilíbrio, seria um desastre para o Brasil.
O sr. se arrependeu de ter votado em Bolsonaro? Como responde à acusação do presidente de que foi oportunista por ter usado seu nome para se eleger?
Não houve oportunismo. A circunstância de uma eleição estabelecia definir um lado. Ou era o lado da esquerda ou era anular o voto ou votar em branco, coisa que nunca fiz e espero nunca fazer, ou era votar no outro candidato, o que fiz, assim como outras 58 milhões de pessoas.
Mas o sr. adotou até o lema “bolsodoria”…
O “Bolsodoria” surgiu no interior não por orientação, determinação ou iniciativa nossa. O movimento contribuiu para que na eleição ficasse clara nossa posição contra o outro candidato, que representava um movimento de esquerda.
O PSDB hoje é oposição a Jair Bolsonaro?
Essa é uma pergunta que deve ser dirigida a Bruno Araújo, presidente do partido.
A primeira quarentena termina no dia 7 de abril. O que esperar desse dia em diante?
A pressão do governo federal não tem efeito em São Paulo. Aqui, as decisões são balizadas pela ciência. A avaliação será dia a dia.
As ameaças mudaram sua rotina? Já tinha acontecido antes?
Nesse nível, não. Na quinta-feira, ao terminar o Jornal Nacional, parecia uma ação articulada. Às 21h32, comecei a receber centenas de ligações de WhatsApp. Diziam: Vamos invadir a casa do João Doria, colocaram a fotografia da minha casa e o endereço na internet. Outro movimento foi chamar João Doria filho disso, filho daquilo. Foi de uma maneira destemida. Era fácil de identificar a origem. Essas informações estão com a Polícia Civil.
O sr. acusou o “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto. Tem alguma prova?
Não quero antecipar o laudo policial. A Polícia Civil tem uma área de crimes cibernéticos com profissionais capazes de identificar crimes com origem em redes sociais. Mas todos os indicadores convergem para o “gabinete no ódio”.
É uma acusação grave.
Grave é o presidente ter um “gabinete do ódio”, que é conhecido e tratado como tal inclusive por ministros dentro do Palácio do Planalto.
Como está a rotina do sr. nesses tempos de coronavírus?
Trabalho em média 15 horas por dia. Fico aqui a maior parte do tempo, e eventualmente sábados e domingos também. Eu só passei um período residindo aqui por orientação médica quando começou a crise e no período do teste. Foram duas noites. Tenho academia em casa. Não parei de fazer exercício.
O sr. fez um segundo teste no sábado?
Fiz dois. Bia fez também. O seu primo lá de Brasília disse que fez, mas nunca mostrou.
FONTE NOTICIAS AO MINUTO